
Quando voava sobre o Atlântico, o comandante do Airbus A330-200 deparou com uma tempestade. Imediatamente, como foi treinado a fazer, aplicou um procedimento-padrão de desvio, fazendo a aeronave subir de 35.000 para 35.300 pés (10.759 metros). Não adiantou. O piloto voltou para a altitude anterior. A turbulência piorou, levando-o a aplicar um segundo procedimento, conhecido como “severe turbulence”, reduzindo a velocidade do avião e desconectando o “auto thrust”, sistema automatizado de aceleração da aeronave. Cinquenta segundos depois, os indicadores no painel registraram uma rápida diminuição da velocidade e da altitude. Acenderam-se no painel a luz vermelha – mostrando que o piloto automático desligara sozinho – e a luz de alarme Master Warning, e começou a soar um alarme conhecido como “carga da cavalaria”.
O cockpit do Airbus se tornou um pandemônio de luzes e sons. Alarmes indicando todo tipo de pane – do leme, dos instrumentos, dos computadores – começaram a piscar, acompanhados dos sons de alerta respectivos. A razão era a formação de gelo nos tubos de Pitot que, do lado de fora do aparelho, monitoram parâmetros fundamentais para o voo, como a velocidade do avião, a do vento e a temperatura. O gelo enlouqueceu os sensores. O computador de bordo interpretou isso como se o avião tivesse estolado – ou seja, perdido sustentação.
O caos durou um minuto e meio. O piloto decidiu, então, pôr em prática um terceiro procedimento, chamado “unreliable speed indication” (“indicação não confiável de velocidade”). Em outras palavras: acertadamente, ele ignorou as informações dos sensores. Corrigiu a altitude e a velocidade do avião tomando por base outro sistema – o GPS, aparelho que mede o posicionamento da aeronave no globo terrestre –, e o avião pôde continuar seu voo até Paris.
A sequência de eventos do incidente descrito acima – ocorrido em agosto do ano passado com um A330-200 da Air Caraïbes, uma pequena companhia aérea francesa que opera no Caribe – guarda fortes semelhanças com as últimas mensagens enviadas pelo voo AF 447 que caiu no Atlântico na noite de 31 de maio, matando 228 pessoas. Saber se foi realmente isso o que aconteceu é fundamental para quem voa de avião voltar a confiar nos Airbus – e na segurança da aviação comercial em geral. Que riscos, afinal, corre quem embarca, hoje, em um avião de passageiros?
Por mais que as estatísticas nos digam que voar de avião é mais seguro que pegar a estrada com o próprio carro, elas são incapazes de tranquilizar boa parte dos passageiros. O medo de voar, que poderia parecer irracional, é profundamente racional. Tem a ver com a ignorância do leigo. Até a semana passada, quem sabia que um avião de 59 metros de comprimento depende do bom funcionamento de uma peça de menos de 20 centímetros, chamada tubo de Pitot (leia o quadro na última página)? Tem a ver com a sensação de impotência de quem põe a vida nas mãos de um piloto, cruzando o céu a 900 quilômetros por hora e 10.000 metros de altura. E tem a ver com a sensação de que, no carro, nós temos mais controle sobre nossa vida do que num avião. Esse controle é em grande parte ilusório – mas não totalmente. Ao comparar as estatísticas de acidentes de avião com as de automóveis, a impressão inicial é que morrem muito mais pessoas dentro de um carro que voando. Em parte, isso é correto. Segundo dados do Cenipa, o órgão da Aeronáutica que investiga acidentes com aviões, 996 pessoas morreram em desastres aéreos no Brasil entre 1996 e 2008. Estimativas do Ministério da Saúde mostram que nas ruas e estradas do país morrem 36 mil pessoas por ano. A diferença é gigantesca: para cada pessoa morta num acidente de avião no Brasil, morreram 360 no trânsito. Mas esses são números absolutos.
Baseando-se nos registros estatísticos dos Estados Unidos, matemáticos calcularam a probabilidade bruta de morrer eletrocutado ao fazer a barba, tomando banho de banheira ou viajando de avião (leia o quadro na última página). Essa conta ajuda a ter uma ideia do risco relativo de uma atividade em relação a outra. Mas nos informa pouco sobre nossa própria vida. Quem dirige alcoolizado, além de cometer um crime, multiplica enormemente o risco de morrer (e de matar outras pessoas). Da mesma forma, voar toda semana é obviamente mais arriscado que pegar o avião uma vez por ano. Embarcar em certos tipos de aeronave é mais seguro que em outras, a julgar pelos registros (leia o quadro abaixo).